Zona oeste da capital faz parte da história da TV no país

Jornalista Clélia Cardin, a "Telé", na frente do antigo edifício da TV Tupi, no Sumaré

Primeira emissora do país, a Tupi, fechada em 1980 era no Sumaré, bairro da zona oeste da capital paulista, assim como a Loading TV, mais nova emissora do país, no ar desde o dia 7 de dezembro de 2020, com sede e estúdios no mesmo icônico edifício. A região tem ainda s Record, segunda emissora de TV mais antiga do Brasil, no bairro da Barra Funda

Telé começou carreira na Tupi, onde trabalhou até o fechamento da emissora

No dia 18 de setembro a televisão completou 70 anos no Brasil. O sonho de um visionário paraibano chamado Francisco de Assis Chateaubriand Bandeira de Melo tornava-se real com a primeira transmissão televisiva na América do Sul, diretamente do antigo prédio dos Diários Associados na Rua Sete de Abril, no centro de São Paulo.

É preciso destacar, porém, que o prédio do Sumaré, onde também funcionava a Rádio Tupi, já existia. Curioso que neste mesmo ano de 1950, o país passava por um trauma com a perda da Copa do Mundo da qual fomos sede.

Após o “maracanaço”, nasce a TV

O clima de euforia com a realização do primeiro mundial de futebol depois da 2.ª Grande Guerra, na terra “tupiniquim”, inclusive com a construção do Estádio do Maracanã, que por muitos anos foi o maior do planeta, com capacidade para 200 mil pessoas e isso em tempo recorde para a época, contagiava a todos.

Estrelas das telenovelas começaram carreira na emissora pioneira, a TV Tupi

O Brasil era apresentado ao mundo como a famosa frase cunhada pelo escritor austríaco judeu Stefan Zweig, que fugiu para nosso país durante o regime nazista na Europa, e que numa de suas obras literárias disse: “O Brasil é o país do futuro”.

Porém, no dia 16 de julho daquele ano, a derrota para o Uruguai na final e a decepção que veio com ela fez outro famoso escritor, o brasileiro Nelson Rodrigues, empunhar uma expressão que passado todo esse tempo ainda se faz presente, o “complexo de vira-lata”, na explicação do autor espécie de narcisismo às avessas que o brasileiro se coloca diante do resto do mundo.

Exatos dois meses e dois dias depois de uma das maiores tragédias do futebol brasileiro e da própria história do país, o “Maracanaço”, entrava no ar a primeira emissora de TV do Brasil, a TV Tupi, Canal 3 (depois mudou para 4).

Sem a mesma pompa de uma final de Copa do Mundo e no lugar dos 200 mil expectadores, no templo do nosso futebol, 200 telespectadores tiveram o privilégio de assistir a primeira transmissão televisa no país, pois um pequeno detalhe quase passou despercebido por Chateaubriand: não existia fabricante de aparelhos de televisão no Brasil e para as pessoas assistirem era preciso importar.

Poucos da inauguração, 200 aparelhos foram importados e entregues em várias lojas e pontos da cidade de São Paulo, inaugurando a TV no Brasil.

Testemunha ocular da história

Nestes 70 anos de televisão no Brasil são muitos os personagens da vida real que contribuíram para a construção dessa história. Verdade que poucos ainda estão vivos para contar.

Da primeira transmissão, a atriz, cantora e apresentadora, Lolita Rodrigues, hoje com 91 anos, aposentada vive com sua filha em João Pessoa, na Paraíba. Lima Duarte, outro pioneiro, que começou como sonoplasta de radionovela na Rádio Tupi, esteve na primeira transmissão participando de um show de variedades dirigido por Cassiano Gabus Mendes (1929/1993) e desde o decreto da pandemia, em março último, vive recluso no seu sítio em Indaiatuba, no interior de São Paulo.

O famoso edifício da Rua Alfonso Bovero, 52, no bairro do Sumaré

Por trás das câmeras, muitas pessoas também deram suas contribuições. Cameraman, caboman, contrarregra, iluminador, maquiador, operador de áudio, técnico de som, produtor, diretor de TV, enfim, uma enormidade de funções e profissionais que não aparecem na telinha, mas que sem eles não haveria televisão.

Uma dessas profissionais que atuou nos dois lados: atrás e à frente das câmeras é a jornalista Clélia Cardim, conhecida como “Telé”, hoje produtora de Jornalismo da TV Record, que começou como atriz fazendo figuração na novela “A Muralha” na antiga TV Excelsior.

Ativista cultural, participou já na TV Record, na sua primeira passagem pela emissora da produção dos Festivais de Música Popular Brasileira, que revelou talentos como Elis Regina, Chico Buarque, Caetano Veloso, Gilberto Gil, Rita Lee, entre outros.

Telé (ao centro) e colegas na porta da emissora, durante a greve de 1980

Frequentadora assídua do bairro do Sumaré, fez amigos na TV Tupi, onde descobriu sua vocação de jornalista, recebendo convite para trabalhar como repórter do programa “Câmera Aberta”, que trazia reportagens especiais, uma espécie de Globo Repórter da época.

Era 1967 e a emissora ainda sob o comando de Assis Chateaubriand se firmava como primeira rede de televisão do país, disputando palmo a palmo a liderança de audiência com as concorrentes. A Rede Globo ainda engatinhava, e a Tupi se tornava uma fábrica de talentos, principalmente na teledramaturgia.

Muitos atores tanto da rádio, como do teatro, começaram a aparecer literalmente para o grande público, primeiro com os teleteatros, depois com as novelas que marcaram época e que depois acabou virando uma marca registrada da Globo, principalmente depois do sucesso de “Irmãos Coragem”, em 1970, responsável pela tomada da liderança de audiência da TV, que perdura até os dias de hoje.

E tudo começou no Sumaré

Curiosamente, dois anos após a morte do criador da televisão no Brasil e a partir daí, a emissora da família Marinho, começou a investir nesse núcleo, tirando vários atores e atrizes da Tupi.

“Esse lugar era uma efervescência cultural. Adorava vir aqui. A gente via os artistas na rua, no parque aqui em frente (Reservatório Sabesp Sumaré), na Padaria Real (hoje Restaurante e Lanchonete Real, ao lado do prédio da Tupi), fiz muitos amigos e um deles me disse ‘você é muito entrona. (risos) Vai se dar melhor como jornalista do que como atriz’. Aí, tive o convite para participar desse novo programa que a Tupi estava lançando, o Câmera Aberta e fiquei por lá até o fechamento da emissora, em 1980”, lembra Telé.

Jornalista Telé, com artistas e colegas de trabalho, numa viela próxima à emissora

Filiada há muitos anos do Sindicato dos Jornalistas Profissionais no Estado de São Paulo, Telé recorda com saudade os 13 anos que trabalhou na “pioneira”, onde aprendeu na prática tudo sobre jornalismo e televisão, pois também trabalhou na produção de programas de auditório, levando essa experiência para outras emissoras nas quais trabalhou depois do fechamento da Tupi, em 18 de julho de 1980 – as TVs Bandeirantes e Record, onde trabalha atualmente, curiosamente, a segunda emissora do país, fundada em 1953.

“Comecei numa época em que quase não tinha mulher no telejornalismo. Se não fui a primeira, com certeza uma das e hoje fico feliz em ver que ajudei a plantar uma semente. Por exemplo, a Cristina Piasentini, que foi minha estagiária em o “O Povo na TV” (programa de jornalismo popular da TV Tupi), hoje é diretora do Departamento de Jornalismo da Globo de São Paulo. Tenho muita saudade da Tupi, quando fechou foi o mesmo de sentimento de ter perdido um familiar querido. Aprendi tudo aqui. Quando passo por aqui me dá até um aperto no coração. Quando organizamos a greve só fizemos porque não tinha mais como aguentar a situação. Depositaram cheques sem fundos nas nossas contas-salário no mês de abril. Mas, fizemos de tudo para evitar o fechamento da emissora. Fomos a Brasília conversar com o então chefe da Casa Civil, Golbery do Couto e Silva, montamos até acampamento na Esplanada dos Ministérios. Participei da vigília pela não cassação da concessão na madrugada do 17 para o dia 18. Solicitamos audiência com o então presidente da República, João Figueiredo, onde levaríamos a proposta dos funcionários assumirem a direção da emissora, que funcionaria em regime de cooperativa, mas não obtivemos sucesso. Foi uma pena”, lamenta Clélia Cardim, que entre suas principais reportagens destaca as entrevistas com médium o Chico Xavier e o cosmonauta soviético Yuri Gagarin, primeiro homem a viajar pelo espaço sideral.

Tombado, prédio volta abrigar TV

Foram longos 10 anos fechados até que o histórico prédio da Avenida Professor Alfonso Bovero, 52, no Sumaré, voltasse a abrigar uma emissora de TV.

Manifestação em Brasília para tentar resolver situação de insolvência da TV Tupi

Uma parceria entre os grupos de comunicação brasileiro Abril e americano Viacom, possibilitou em outubro de 1990, a criação da MTV (Music Television), canal segmentado de música para o público jovem, numa época ainda de TV analógica, com operação no sistema UHF, canal 32.

Com o fim da parceria em 2013, a emissora passou a ser transmitida no Brasil apenas por TV fechada, a cabo e com programação importada da matriz americana. Logo em seguida o prédio foi alugado pela Ideal TV de Valdemiro Santiago com programação evangélica.

Após breve período desativado, o prédio que é tombado pelo patrimônio histórico, só podendo ser utilizado para sua finalidade original, passou a abrigar desde o último dia 7 de dezembro, a 24 dias do fim do ano que marcou o 70º aniversário da televisão no Brasil, a Loading TV.

À exemplo de sua antecessora MTV, também é voltada para o público jovem, mas com programação mais variada, com foco na chamada cultura “geek”, termo anglicista para definir aficionados em jogos de animação eletrônica e tecnologia em geral.

Nova TV que ocupa o antigo prédio da Tupi tem programação voltada ao público jovem

A programação também contempla séries (destaque para o clássico Power Rangers) e desenhos animados do Japão e da Coréia do Sul, games, e-sports, animes, entre outros conteúdos.

O canal multiplataforma Loading opera também via streaming nas plataformas digitais e TVs aberta e a cabo, seguindo a nova tendência do mercado, unindo a tradição do histórico prédio onde tudo começou com a modernidade das novas mídias.

A Loading é uma startup criada pelo grupo de investimentos detentor da Kalunga e Spiral, liderado por José Roberto Garcia e Paulo Sérgio Garcia, e que adquiriu a estrutura e rede de transmissão da MTV Brasil, em 2014.

Tanto a sede, como os estúdios estão localizados no icônico edifício que abrigou o canal de música e a TV Tupi, no Sumaré, Zona Oeste. “A proposta não é ser apenas mais um player de mídia, ou conteúdo, e sim criar um modelo disruptivo de comunicação, capaz de conectar jovens e marcas de maneira orgânica e profunda, com formatos experimentais e mais abertura para a inovação”, afirma Thiago Garcia, CEO da startup e ex-líder de pesquisa da Rede Globo.

“Nós vamos traduzir a interatividade e liberdade de escolha dos canais digitais em oito horas de live com chat e comunicação direta via rede social. Nosso espectador vai ser parte do conteúdo, das escolhas e de nossas discussões”, comenta Anderson Abraços, CXO e Diretor de Programação da startup.    De acordo com a assessoria de imprensa da “caçulinha” da TV Brasileira, além das produções autorais, a Loading licenciou e adquiriu séries, animes, Tokusatsu (os famosos live-action de heróis japoneses), filmes, hits da TV coreana e conteúdos diversos que vão do K-pop à cultura pop americana. O canal chega ao mercado com a quinta maior cobertura da TV aberta, presença em todos os maiores provedores de TV a Cabo, Redes Sociais, Streaming Ao Vivo e Conteúdo On Demand, sem necessidade de assinatura.

(Edição: A.M. Soldera // Reportagem: Francisco de Souza)

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